Aprendendo a viver com a doença

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31 de janeiro de 2019

Aprendendo a viver com a doença

O nível de aceitação do diagnóstico e o desejo de conhecimento quanto ao detalhamento do prognóstico é algo que oscila não apenas de um paciente para outro, mas em uma mesma pessoa de acordo com o curso da doença e a carga emocional vivenciada. Como a equipe de saúde deve lidar com essa situação e como o paciente deve ser ouvido e os reflexos desse processo?

Segundo a chefe da divisão de cuidados paliativos e medicina geriátrica no Massachusetts General Hospital e professora adjunta da Harvard Medical School, Vicki Jackson, parte do trabalho de sua equipe junto aos pacientes se refere à aproximação por meio de conversas. Nessas entrevistas são apurados o entendimento dos pacientes sobre o seu quadro de saúde e a evolução da doença. Os objetivos dessa abordagem são: avaliar e desenvolver a consciência prognóstica; além de definir o quadro dual de como o paciente se vê (vivendo com a doença ou morrendo com a doença).

Com uma maior consciência prognóstica os pacientes podem medir os encargos e benefícios do tratamento, ter discussões mais significativas do que desejam para suas diretivas de cuidados e, principalmente, para a sua vida e trajetória provável da doença. “O componente central é despertar a capacidade de entender a fundo seus prognósticos para opinar sobre o que irá querer para o futuro”, observou a médica. Os retornos dados ao paciente ajudam a equipe médica a direcionar suas condutas, afinal segundo ela, é impossível para qualquer pessoa querer saber sobre “o ritmo de sua morte o tempo inteiro”. “É saudável os momentos em que o paciente quase se esquece da doença”, completou Vicki.

A especialista defende que os médicos devem ter uma compreensão profunda desse conceito e capacitar os pacientes a viver bem com uma consciência mais profunda do prognóstico. “Essa é uma tarefa complexa de cuidados paliativos. Durante essa abordagem, a maioria dos pacientes mostra um equilíbrio entre ter esperança e saber a realidade de seu prognóstico. Mas, também é natural o pêndulo entre o aceitar e o não aceitar a doença e suas consequências. Temos que estar preparados para entender essa postura ambígua”, comentou Vick.

Ela lembrou do caso de um paciente que pendia a esperança com o tratamento para um eixo muito fora da realidade. Ele manteve uma intensa agenda de viagens a trabalho, sem querer acompanhar prognósticos. Num dado momento, quis se colocar a par dos fatos e se surpreendeu com suas decisões. Refletiu que poderia ter passado mais tempo com a família. E outro caso mostrou a oscilação de um paciente que ora não aceitava sua terminalidade, ora chegava ao extremo de planejar o próprio funeral.

Já o estudo de caso de Betsey, uma paciente diagnosticada com câncer metastático endometrial, em um dos seus relatos, Betsey confessou não ter ideia clara se queria conhecer todos os prognósticos, algo que mudou algumas vezes ao longo do tratamento. Por essa razão Vicki reforçou que o médico precisa ter o hábito de perguntar, em diferentes momentos, o que o paciente deseja saber.

A médica disse que tanto médicos, como enfermeiros precisam saber técnicas psicológicas para essa interação. “As conversas precisam ser compartilhadas com os colegas de equipe. O cultivo da consciência prognóstica é um processo de desenvolvimento que permite decisões médicas mais embasadas”, reforçou a Vicki.

A coautora do livro “Vivendo com Câncer: um guia passo a passo para lidar clinicamente e emocionalmente com um grave diagnóstico” considera ainda que a equipe de cuidados paliativos deve avaliar esse conhecimento do paciente sobre o prognóstico e estimular que eles concentrem seu foco na vida, com o reconhecimento e a aceitação da mortalidade. “Quando eles começam a reconhecer as duas realidades, podem incorporá-los na decisão do que fazer (curtir a família, continuar trabalhando, optar por um ou outro tratamento). A imagem que tenho é que estou ajudando os pacientes a viverem o melhor possível”, afirmou Vicki.

Com trabalho publicado pela Johns Hopkins University Press, no New York Times, no Boston Globe, na rádio pública nacional e na ABC World News Tonight, Vicki mostrou que a consciência prognóstica pode ser avaliada por meio de três perguntas: “Qual é o seu entendimento da doença?” Olhando para o futuro, quais são suas esperanças para a sua saúde? Quais são suas preocupações?”

A ideia de cultivar a consciência do prognóstico oferece ainda um suporte para integrar as esperanças e realismo. “Nos momentos difíceis é terapêutico dar um passo para trás, chorar e fechar essa caixa e seguir em frente”. Vicki explicou que essa analogia da caixa foi apresentada a ela por um paciente. Em certos momentos ele dizia que não queria saber de um ou outro resultado de exame. A informação ficaria guardada na caixa hipotética para ser desvendado em outro momento. Com a estratégia o paciente se concentrava na vida. A ideia é se permitir ter dias de chorar e dias de comemorar realizações e ser feliz.

Também são aconselháveis discussões sobre a possibilidade de morrer, com o fim de permitir mais conscientização, dessensibilizar medos aprender a conter emoções fortes, reconciliar esperanças, ajudar o paciente a se sentir seguro para que ele possa gerenciar algumas das emoções intensas. “Em seguida, declarações de preocupação pode permitir a expressão de informações prognósticas menos ameaçadoras. Nesse sentido usamos a metáfora da ‘caixa’ para fornecer a segurança e a contenção”.

Vicki pontuou que não é possível mudar o fato de que as doenças em estágio avançado irão tomar a vida do paciente. O que a equipe de cuidados paliativos faz é ajudar o paciente a perceber a vida que eles terão até lá. “Temos que ser autênticos e honestos”, enfatiza. O foco é mudar a visão do paciente para, em vez de se ver morrendo com o câncer, viver com o câncer e com qualidade. “Estamos empoderando os pacientes e fazendo com que eles vivam bem com a doença”, concluiu.

Vicki Jackson é pesquisadora de cuidados paliativos e mentora em vários estudos que investigam o efeito dos primeiros cuidados paliativos ambulatoriais no tratamento de pacientes com câncer avançado, e esteve entre os palestrantes internacionais do VII Congresso Internacional Cuidados Paliativos, realizado entre os dias 21 e 24 de novembro de 2018.


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