15 de novembro de 2024
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Em dias em que qualquer tema parece ser motivo para discussões acirradas no mundo real e virtual, a morte parece ser uma exceção. Há quem não veja motivo para conversar sobre isso, outros preferem mudar de assunto. A finitude continua sendo um tópico que causa desconforto nas rodas de conversa.
Mas uma vez contornado o mal-estar inicial, as questões a respeito do assunto têm a capacidade de engajar até os mais avessos ao tema. É difícil ficar indiferente a perguntas tão fundamentais como “Até que ponto vale a pena continuar vivendo?”, “O que você gostaria que seus familiares fizessem se você não estivesse consciente?”, “O que eles gostariam que você decidisse se fosse a vida deles em risco?” e “A morte te assusta?”.
É nesse contexto que vêm se formando no mundo todo grupos para discutir a morte – não num ambiente acadêmico, mas numa atmosfera informal e não-ameaçadora, em que o participante se sinta confortável para expor dúvidas, compartilhar angústias e trocar experiências.
Um dos grupos mais famosos é o Death Cafe (Café da Morte, numa tradução livre), uma autodenominada franquia social, criada em setembro de 2011 na Inglaterra com o objetivo de “aumentar a conscientização sobre a morte visando ajudar as pessoas a fazer o máximo de suas vidas (finitas)”. Segundo o site da organização, já foram realizados 1.760 encontros em 29 países – inclusive no Brasil, que conta com duas filiais.
Em São Paulo a iniciativa foi batizada de Death Cafe Sampa e teve início em dezembro do ano passado, sob a batuta da gerontóloga Elca Rubinstein e do psiquiatra Bernardo di Gregorio. Elca teve o primeiro contato com a iniciativa num simpósio nos EUA chamado Conversations on Death (Conversas sobre Morte, em tradução livre). O Death Cafe era uma das entidades presentes.
“Participei de um encontro e achei aquilo deslumbrante”, relata. “Era possível falar de morte rindo, e perceber que morte está ligada com a vida, seja como um fim ou começo.”
O formato das reuniões do Death Cafe seguem um modelo pré-estabelecido, em que se observam questões como a ausência de agenda definida, o caráter sem fins lucrativos, o espaço respeitoso, confidencial e acessível, a ausência de intenção de levar as pessoas a qualquer tipo de conclusão ou ação e, lógico, a presença de café e bolo.
Nos encontros na capital paulistana os grupos por enquanto são limitados a dezesseis pessoas, mas o objetivo é que o espaço aumente e outras reuniões aconteçam. Qualquer interessado no tema pode participar. “Pode ser jovem, velho, pode estar no maior pique, ser filósofo, pode ter perdido alguém. Não precisa vir falar de morte, pode querer vir por curiosidade”, esclarece Elca.
Ela conta que já foram feitas quatro reuniões e o grupo ainda está criando sua própria personalidade. “Estamos no processo de descobrir o que fazer, o que não fazer, qual a melhor forma de criar esse ambiente acolhedor que permite falar sobre morte. E as pessoas que estão vindo também estão aprendendo o que é o Death Cafe”, continua. Em geral, as expectativas estão sendo atendidas e muitas pessoas retornam para os encontros seguintes.
Iniciativa local
Sem ter nenhuma ligação com o Death Cafe, a advogada Luciana Dadalto e a médica clínica Cristiana Guimarães promovem desde 2013 encontros mensais com o objetivo de discutir questões relacionadas a morte. A iniciativa acontece em Belo Horizonte (MG).
Porém, mesmo com mais de um ano à frente do grupo, elas ainda se deparam com questões de infraestrutura, divulgação e receptividade para conversar sobre morte.
“Todas as vezes que publicamos sobre morte ou divulgamos um encontro no Facebook, aparece algum comentário do tipo ‘Você não tem nada para fazer?’. Até amigos próximos acham surreal o que fazemos, pois ainda existe a ideia de que conversar sobre a morte chama a morte”, conta Luciana. “Mas estamos firmes.”
Um outro obstáculo é encontrar cafés que acolham esse tipo de atividade. Ela conta que houve ocasiões em que o local onde o grupo se reuniria foi anunciado no Facebook e o estabelecimento não autorizou o uso do espaço por tomar conhecimento do tema a ser discutido. Por isso, Luciana e Cristiana preferem não divulgar o local onde será realizado o encontro nas redes.
A frequência do público também é um desafio para o grupo. “Houve encontros com oito pessoas e houve encontros em que apenas uma apareceu”, conta Luciana.
Apesar de as reuniões serem abertas, a maioria dos participantes trabalha na área de saúde e tem um interesse profissional no tema. Os assuntos abordados são inspirados em textos ou vídeos. Já foram temas de discussão “Sobre a morte e o morrer” (texto de Rubem Alves), o documentário “Solitário Anônimo”, o curta “A dama e a morte”, entre outros.
Mesmo com o tabu que cerca o tema e de tantos empecilhos para discutir a finitude humana, Elca e Luciana observam um aumento gradual no interesse do público. As duas já receberam pessoas com dúvidas sobre como montar grupos em outras cidades, o que todas acreditam ser um ótimo começo.
“O grande problema no Brasil quanto à morte é que as pessoas não conversam sobre o assunto, portanto não sabem o que desejam, não sabem o que é cuidado paliativo ou como começar a falar sobre isso com a família ou um amigo. A divulgação é importante para que as pessoas que esses espaços existem e estão abertos”, conclui Luciana.
Para Elca, conversar sobre morte é uma das alternativas para tornar o assunto menos denso. “Enquanto a morte estiver guardada no armário, ela é tabu. Ninguém mexe, a gente finge que não vê e ela fica assombrando. Se abrimos o armário e a tiramos de lá, para colocá-la em cima da mesa junto com bolo, café, suco e pessoas falando sobre o assunto, ela perde o rebolado e entra na conversa.”
Para conhecer mais, entre em contato:
Death Cafe Sampa
https://www.facebook.com/deathcafesaopaulo
Grupo BH
sobremorte@gmail.com
Por Fernanda Figueiredo
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