A subutilização de opioides no Brasil para dor crônica

Lives e Webnars ANCP
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5 de junho de 2016

A subutilização de opioides no Brasil para dor crônica

Os opioides entraram na mira das Nações Unidas. Há pouco mais de um mês, a entidade promoveu uma assembleia especial para discutir a questão das drogas, a UNGASS (United Nations General Assembly Special Sessions). Além das questões de segurança pública, especialistas abordaram assuntos relacionados ao acesso a analgésicos opioides, como a morfina e derivados, listados como medicamentos essenciais pela Organização Mundial da Saúde.

Enquanto nos Estados Unidos e em alguns países da Europa há um uso abusivo e indiscriminado dessas substâncias, em outras partes do mundo, como no Brasil, o acesso e a disponibilização desses medicamentos para quem precisa ainda é muito restrito.

“Nos outros países, existem medicações que são usadas para fins recreativos levando ao vício, inclusive prescritas por médicos. Basta ver os casos de famosos que morreram após a ingestão de analgésicos”, pontua a médica Sandra Caires Serrano, diretora do Departamento de Cuidados Paliativos do hospital A. C. Camargo. O cantor Prince, por exemplo, foi vítima desse tipo de remédios. Os Estados Unidos, segundo dados de 2013, são o país que concentra 80% do consumo global dos medicamentos morfina, metadona e codeína.  Desse total, dois terços seriam de consumo ilegal.

Muito diferente é o caso do Brasil, cujo acesso a drogas ilegais é mais fácil, a repressão é menor e o custo bem mais acessível do que o de medicamentos. O problema no país, segundo a médica, é o contrário: a população em geral não tem acesso a esses analgésicos mais potentes e os médicos não os prescrevem com a frequência que deveriam para dores crônicas, principalmente dor oncológica. O acesso a medicamentos à base de opioides para dor é tão importante que é um dos fatores considerados no cálculo do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Isso porque o maior o uso de opioides significa que a dor está sendo tratada e que as pessoas têm melhor qualidade de vida.

No Brasil, o consumo de opioides, como a morfina, é de 7,8 mg por pessoa/ano, uma das menores taxas mundiais. A quantidade ideal seria de 192,9 mg para analgesia – quase 25 vezes mais. “Isso demonstra que nossa população não tem bom acesso à saúde”, explica Sandra.

A Organização Mundial da Saúde é responsável por coordenar a produção de analgésicos opioides e distribui-los para os países por meio de um sistema de cotas. “Essa cota é baseada no consumo médio e pregresso do país dos últimos 12 meses”, diz a médica. “Se há então uma produção fixa, por que a OMS disponibilizaria mais para o Brasil se não há demanda? Isso só acontecerá a partir do momento em que houver maior prescrição”, explica.

Em alguns municípios, alguns analgésicos opioides estão na chamada cesta básica de medicamentos – o que significa acesso a eles na rede pública e desconto na carga tributária. Já em muitos municípios, não só não há acesso a eles na rede pública como não são encontrados por quem precisa comprá-los, mesmo com prescrição médica. “Há pacientes que têm a receita médica, têm dinheiro para comprar, mas não encontram nas farmácias. Acabam ficando com dor”, diz a médica.

Outra barreira para o baixo consumo, na opinião da especialista, é a falta de treinamento dos médicos a respeito da importância e benefícios desses medicamentos. Por ser necessário talão especial (amarelo) para prescrição, o médico precisa se inscrever previamente nas Vigilâncias em Saúde ligadas às secretarias de saúde.  Para os médicos, Sandra diz que não é necessário ter medo de que o paciente vá desenvolver algum tipo de vício em relação ao medicamento. “É só fazer o acompanhamento e fazer a prescrição com data na receita, dando a quantidade para um mês, o que baste até a próxima consulta”, explica.

Por outro lado, por parte dos pacientes e população em geral no país, também há preconceito com medicamentos como a morfina. Erroneamente, no imaginário popular, o medicamento é destinado a quem está morrendo. Desmistificar essa ideia também é papel do médico e dos profissionais de saúde, segundo a médica. “Tudo é uma questão de comunicação. Se o médico mal conhece o paciente e simplesmente faz a prescrição sem explicar que a morfina é um medicamento eficaz no combate à dor crônica, que não vicia quando o paciente está monitorado e que provoca menos efeitos para a pessoa com câncer, sendo mais seguro em termos renal, de coagulação e hepático, pode realmente assustar o doente e a família”.

Portanto, antes da receita, é preciso explicar os benefícios e espantar os medos das famílias. “A primeira coisa que faço é conversar. Depois que explico os benefícios, dou meu telefone de contato e peço para entrar em contato comigo caso alguém – do vizinho ao farmacêutico – fale alguma bobagem para ele em relação ao remédio”, diz Sandra.


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