27 de fevereiro de 2025
ANCP no Fórum Itinerante Oncoguia
O Fórum Itinerante Oncoguia – Edição Norte foi realizado em Belém (PA), no dia 19 de fevereiro de 2025, com o ...
Com profissionais de cuidados paliativos que representam tão bem esse estado nordestino, a Bahia foi pioneira mais uma vez, inaugurando em 30 de janeiro de 2025 o primeiro hospital estadual com atendimento 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e voltado exclusivamente para cuidados paliativos, fato inédito no país.
O local escolhido não poderia ser mais emblemático: um prédio histórico, de 1853, em Salvador, que já foi o antigo Couto Maia, na Cidade Baixa, e foi reformado para abrigar o novo serviço: o Hospital Estadual Mont Serrat − Cuidados Paliativos, com 70 leitos, 7 deles na pediatria.
O investimento total de R$ 66 milhões garantiu a requalificação completa do espaço e a adequação ao atendimento humanizado. Com isso, a unidade conta com uma equipe de 435 colaboradores, incluindo 41 médicos especializados, garantindo atendimento de excelência e acolhimento integral a pacientes e familiares.
A médica Karoline Apolônio − uma das responsáveis pelo Núcleo de Cuidados Paliativos da Secretaria Estadual da Saúde (Sesab) da Bahia, juntamente com a médica Lília Embiruçu − conta nessa entrevista à Comunicação da ANCP como foi concretizar esse projeto e sensibilizar os gestores públicos, pois o hospital será um modelo de atendimento, visando à equidade na assistência aos pacientes, mas também de excelência na formação de profissionais.
Comunicação ANCP − O que a levou a se interessar pela área de cuidados paliativos, que, no Brasil, ainda é uma especialidade relativamente recente, embora essencial?
Dra. Karoline − Meu interesse pelos cuidados paliativos surgiu da necessidade de oferecer um olhar mais humano e compassivo para o cuidado em saúde. Como médica e gestora, sempre vi uma lacuna existente no atendimento a pacientes com doenças ameaçadoras da vida, onde muitas vezes o foco exclusivo na cura deixava de lado a qualidade de vida. Os cuidados paliativos trazem esse equilíbrio, garantindo dignidade, conforto e suporte não apenas ao paciente, mas também à família, e melhora o fluxo na assistência com níveis de cuidados proporcional a cada fase da doença.
ANCP − Quais são os maiores desafios para inserir os cuidados paliativos como uma prática comum no sistema de saúde brasileiro?
Dra. Karoline − O principal desafio é uma mudança de mentalidade dentro do Sistema de Saúde. Ainda há um grande desconhecimento sobre o tema entre profissionais, gestores e principalmente na população, o que gera resistência na implementação. Além disso, enfrentamos desafios estruturais, como a escassez de equipes treinadas, a falta de financiamento específico e a necessidade de políticas públicas robustas que garantam a integração dos cuidados paliativos desde os níveis primários até os hospitais de alta complexidade, mas já estamos no caminho após a publicação da Política Pública Nacional de Cuidados Paliativos, lançada em 2024. Após a publicação mudanças importantes já estão ocorrendo em todo o território. Aqui na Bahia, como já estávamos trabalhando com o princípio de pensar no cuidado da RAS desde 2020, com planos de educação, matriciamento, reconhecimento das equipes nas instituições, observamos uma cultura local um pouco mais difundida, mas ainda há um longo caminho pela frente, que já estamos trilhando.
ANCP − Como foi o processo de fundação do Hospital Mont Serrat? Quais obstáculos foram enfrentados para torná-lo realidade?
Dra. Karoline − A fundação do Hospital Mont Serrat foi um processo de muita dedicação e persistência, iniciado em 2018. Com as primeiras discussões na Secretaria de Saúde (SES) do Estado da Bahia, que já o reconhecia como uma necessidade, na sensibilização feita por médicos com treinamento em cuidados paliativos e alguns dados em mãos, começamos a ter “voz paliativa” na SES. Desde o início, sabíamos que seria um projeto inovador e desafiador. A ideia de um hospital direcionado exclusivamente para cuidados paliativos com um projeto pioneiro no Brasil foram as peculiaridades que ajudaram na construção desse caminho. Um dos maiores desafios foi sensibilizar os gestores públicos, mas a percepção baseada em dados foi essencial para superar esses obstáculos.
ANCP – Quais serão os principais diferenciais do Hospital Mont Serrat, que já é considerado um marco para a especialidade no Brasil?
Dra. Karoline − O Hospital Mont Serrat nasce com uma proposta inovadora, baseada na humanização e na excelência técnica. Um dos grandes diferenciais será uma abordagem integrada, com equipes multiprofissionais altamente capacitadas, aliando tecnologia e acolhimento. Além disso, o Hospital terá um foco especial no suporte familiar e na reabilitação em cuidados paliativos. Os pacientes terão acesso a internação em caso de piora clínica, telemedicina para auxílio na regulação e condução dos pacientes. Ambulatório de cuidados paliativos, ambulatório de dor, ambulatório de luto. Uma pequena sala de procedimentos (para que o paciente não necessite ir para a rede de emergência), facilitando a vinculação e a resolução de algumas necessidades no próprio hospital, além de adaptação do ambiente para proporcionar conforto e bem-estar ao paciente, inclusive com uma sala, chamada “sala da saudade”, onde os familiares poderão realizar ritos de passagens de acordo com os valores do paciente em um ambiente laico. Estamos trabalhando para que o Hospital Mont Serrat seja um modelo de assistência e formação no SUS, contribuindo para a disseminação de cuidados paliativos, tornando-se um centro de matriciamento na rede na Bahia.
ANCP − Embora os cuidados paliativos sejam cada vez mais reconhecidos, muitos ainda têm uma visão restrita, associando a área apenas ao final da vida. Quais são os principais mitos que você acredita que precisam ser derrubados?
Dra. Karoline − A maior parte é acreditar que cuidados paliativos são sinônimos de fim de vida. Na verdade, é uma abordagem que deve ser iniciada precocemente, acompanhando o paciente em diferentes fases da doença. Outro equívoco comum é pensar que cuidados paliativos significa “desistir” dos tratamentos modificadores de doenças ou de suporte orgânico artificial, quando na realidade ele amplia as possibilidades de cuidado. Precisamos reforçar que os cuidados paliativos não são apenas sobre a morte, mas sobre a vida, garantindo dignidade e qualidade em todos os momentos.
ANCP − No Brasil, como você vê a evolução dos cuidados paliativos nos últimos anos? Quais os avanços mais significativos?
Dra. Karoline − Nos últimos anos, houve um avanço significativo no reconhecimento dos cuidados paliativos, tanto na esfera acadêmica quanto na política pública e populacional. A aprovação da PNCP pelo Ministério da Saúde foi um marco importante. Também vemos cada vez mais hospitais estruturando equipes de cuidados paliativos e universidades inserindo o tema na formação médica. No entanto, ainda há um longo caminho para garantir o acesso equitativo a todos os pacientes que necessitam desse cuidado em um país continental como o nosso.
ANCP − Ainda existe uma resistência por parte de alguns profissionais de saúde em encaminharem os pacientes para cuidados paliativos, seja por falta de conhecimento ou medo de ‘desistir’ do paciente. Como você vê essa questão?
Dra. Karoline − Essa resistência muitas vezes vem da formação biomédica tradicional, que prioriza a cura a qualquer custo ainda. Muitos profissionais e a população ainda não têm a cultura de compreender que cuidados paliativos podem e devem coexistir com tratamentos modificadores da doença. É fundamental investir em educação continuada, para que médicos, enfermeiros e demais profissionais e também a população possam associar que cuidados paliativos é sobre oferecer conforto e qualidade de vida e isso não significa abandonar o paciente, mas sim, garantir um cuidado mais completo e humanizado.
ANCP − Como o fato de existir um hospital voltado para cuidados paliativos vai impactar a experiência de pacientes e familiares?
Dra. Karoline − Ter um hospital especializado permite que pacientes e familiares tenham um suporte integral e contínuo, sem precisar transitar entre diferentes serviços de saúde sem um plano estruturado. O Hospital Mont Serrat oferecerá um ambiente preparado para acolher, aliviar sintomas e proporcionar conforto. Além disso, será um espaço de referência para a formação de profissionais, promovendo um modelo de assistência que pode ser replicado em outros locais. Em 30 dias de funcionamento, já temos histórias bem bonitas a serem contadas de cuidado e compaixão.
ANCP − O apoio psicológico e emocional é uma parte fundamental do trabalho. Como o hospital vai lidar com a saúde mental dos pacientes e familiares, especialmente no que diz respeito ao luto e à acessibilidade?
Dra. Karoline − O suporte emocional será um dos pilares do Mont Serrat. Teremos psicólogos e terapeutas especializados que acompanharão tanto os pacientes quanto suas famílias ao longo de toda a jornada. Além disso, ofereceremos grupos de apoio ao luto, rituais de despedida, capelania e acompanhamento pós-perda, ajudando na transformação do sofrimento em um processo mais saudável e acolhido. Sabemos que cuidar das emoções é tão importante quanto tratar os sintomas físicos.
ANCP − O que é preciso para que tenhamos mais Mont Serrats pelo Brasil, fazendo os cuidados paliativos chegarem a mais pessoas, especialmente em regiões mais afastadas e nas comunidades menos favorecidas?
Dra. Karoline − Para expandir iniciativas como a do Hospital Mont Serrat, precisamos de uma combinação de políticas públicas, financiamento adequado e sensibilização da sociedade. O envolvimento de gestores, acadêmicos e profissionais da saúde é essencial para ampliar a rede de cuidados paliativos no Brasil. Além disso, modelos inovadores, como o uso da telemedicina, podem ser uma solução para levar assistência a comunidades mais distantes.
ANCP – Que mensagem gostaria de deixar para profissionais de saúde, pacientes e familiares sobre a importância de cuidados paliativos para a qualidade de vida dos pacientes?
Dra. Karoline − Os cuidados paliativos são sobre respeito, dignidade e qualidade de vida. É um direito humano que todo paciente que enfrenta uma doença grave, e não apenas uma opção para os momentos finais. A cada profissional da saúde faço um convite para conhecer, estudar e incorporar essa prática no seu dia a dia. Para os pacientes e familiares, minha mensagem é que vocês não estão sozinhos. O Hospital Mont Serrat e toda a comunidade de cuidados paliativos disseminada em 53 serviços em toda a Bahia estão aqui para apoiar que cada momento seja vivido e nos comprometemos com cada ser humano que vamos cuidar nessa trajetória.
Thaís Abrahão – Presstalk Comunicação
MAR/24
Deixe o seu email e receba todas as novidades, notícias, fique por dentro dos benefícios e muito mais!