Foco em qualidade de vida e no ato de alimentar como forma de cuidado: o trabalho dos nutricionistas em Cuidados Paliativos

Lives e Webnars ANCP
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20 de setembro de 2022

Foco em qualidade de vida e no ato de alimentar como forma de cuidado: o trabalho dos nutricionistas em Cuidados Paliativos

A rotina de um paciente em Cuidados Paliativos pode ser muito mais agitada do que muitos podem imaginar. Isso porque ele é constantemente checado e atendido por uma equipe multiprofissional, sempre disposta a oferecer a ele, seus cuidadores e familiares, a máxima atenção em todas as áreas que podem lhe proporcionar mais qualidade de vida. É nesse contexto que entram os profissionais de nutrição, que auxiliam o paciente e todos ao seu redor a adaptar e oferecer o que há de melhor para cada indivíduo, respeitando a singularidade de cada caso e cada pessoa.

A CADA CASO, UM CASO E UM CUIDADO ESPECIAL

Os nutricionistas não trabalham apenas com as informações sobre a doença do paciente em si, mas essencialmente, com todas as particularidades que fazem daquela pessoa um ser único. Alessandra Rischiteli, membro do Comitê de Nutrição da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), enfatiza que a abordagem da equipe precisa considerar todos os detalhes em sua atividade. “A abordagem do nutricionista inclui a avaliação e o diagnóstico nutricional do paciente, o aconselhamento dietético com planejamento alimentar, respeitando valores, crenças e hábitos pessoais, o suporte nutricional, a educação de cuidadores”.

Tamyris Gonçalves

Para a coordenadora do Comitê de Nutrição, Tamyris Gonçalves, é preciso entender o papel social da alimentação no Brasil. “’Ao nascer “é preciso comer para crescer saudável” e, ao adoecer, “deve-se comer para melhorar e voltar a ter saúde’. Existe, dessa forma, o paradigma biomédico do comer com foco no nutriente para se manter vivo, com saúde, bem-estar, nutrir o corpo e se recuperar da doença somado ao significado simbólico que promove interação social ligado a fatores culturais, emocionais e religiosos podendo ser associada a sentimentos como cuidado, carinho, conforto, criação e fortalecimento de vínculos. Considerando todos esses aspectos, é esperado que a necessidade de adaptação da dieta traga sofrimento emocional pela impossibilidade de se manter a comensalidade (que significa conviver à mesa e envolve não somente o padrão alimentar, ou o que se come, mas como se come). A comunicação do profissional com o binômio paciente-família, o acompanhamento precoce, a tomada de decisão compartilhada e cuidado contínuo são essenciais para que haja confiança e vínculo amenizando os sofrimentos decorrentes do processo de adoecimento”, explica a coordenadora.

Evidentemente, a depender do estágio do quadro clínico de cada paciente, os planos de nutrição podem mudar. “Em um paciente com diagnóstico inicial, com perspectiva de manutenção ou ganho de funcionalidade, a abordagem terapêutica envolve o alcance de metas nutricionais com o objetivo de promover o ganho de sobrevida com qualidade, melhorando os dias vividos. Além disso, se possibilita a continuidade do tratamento e a diminuição dos efeitos colaterais decorrentes destes. Com uma pessoa que está mais próxima do fim da vida, prioriza-se a dieta de conforto, ofertando aqueles alimentos que fazem sentido para o paciente na quantidade que ele tolerar. Dessa forma, ele tende a reduzir os sintomas de ansiedade e depressão, tão associados ao sofrimento do fim de vida”, explica a Dra. Rischiteli.

A FALTA DE CONHECIMENTO COMO OBSTÁCULO

Mesmo com a relevância do trabalho dos nutricionistas em Cuidados Paliativos, vários desafios ainda se impõem. Como em outras especialidades, o desconhecimento sobre o atendimento ainda possui uma grande importância no que se refere às dificuldades encontradas para se oferecer o melhor cuidado possível a todos, em tempo hábil e da melhor maneira possível. “Infelizmente, existe um grande desconhecimento sobre a prática dos Cuidados Paliativos e seus benefícios, pelos próprios profissionais de saúde, médicos e gestores de serviços de saúde”, lembra Rischiteli.

Alessandra Rischiteli

A especialista também reforça que a dieta de conforto não pode nem deve ser feita de forma impensada, pois isso pode causar mais problemas ao paciente, incluindo um sofrimento desnecessário. “O desejo do paciente precisa ser avaliado pelo nutricionista, considerando a condição clínica, o contexto de forma geral (suporte social, nível de assistência) e a interação com a equipe multiprofissional envolvida no cuidado. Dieta de fim de vida não é sinônimo de liberar todo e qualquer alimento que o paciente desejar. Um dos principais objetivos do Cuidado Paliativo é a promoção de conforto e redução do sofrimento. Um paciente disfágico precisa de adequação da consistência do alimento para evitar engasgos e broncoaspirações. Dessa forma, podemos liberar um alimento que o paciente desejar, porém na consistência adequada. Outro exemplo, paciente com insuficiência cardíaca grave, que possui restrição hídrica. Não devemos liberar todo o líquido que o paciente desejar, pois isso pode piorar a função cardiorrespiratória, trazendo desconfortos evitáveis ao paciente”, detalha Rischiteli.

ESCUTA ATIVA, ATENDIMENTO PRECOCE E BOA COMUNICAÇÃO

O Comitê de Nutrição da ANCP conta com diversos profissionais que auxiliam centenas de pacientes em todo o país. Entre eles, Juana Rosa, que atualmente trabalha em uma instituição tipo hospice, com 60 leitos. Esses leitos recebem pacientes em reabilitação, adequação de cuidados e em cuidados de fim de vida. Ela evidencia a importância de dedicar mais tempo a cada paciente, algo que dificilmente poderia ser feito em uma instituição de grande porte. “Habitualmente, em um hospital de alta complexidade, passamos em torno de 5 minutos com o paciente, seguindo o fluxo de avaliações pré-determinadas para aquele dia, que normalmente é entre 15 a 20 avaliações. Num hospice, avaliamos em torno de 10 a 12 pacientes por dia (cada nutricionista). Necessitamos de um tempo maior de escuta ao nosso paciente. O nosso atendimento é transdisciplinar, devendo nós, enquanto profissionais, ter escuta ativa para o nosso paciente em qualquer assunto”, conta Rosa.

Para Tamyris Gonçalves, a demora nos primeiros cuidados a pacientes que necessitam de nutricionistas especializados em cuidados paliativos impede que uma série de benefícios possam ser ofertados ao paciente e seus familiares. “O encaminhamento tardio que impossibilita que o paciente e sua família experimentarem os benefícios do acompanhamento profissional desde o diagnóstico é problemático. O acompanhamento desde o diagnóstico traz inúmeros benefícios:
• Conhecer A PESSOA com diagnóstico de doença grave e ameaçadora à vida;
• Educar e checar a compreensão do paciente e sua família sobre Cuidados Paliativos;
• Possibilita que o paciente seja um agente ativo do seu cuidado;
• Cria-se um vínculo com paciente e entorno cuidador;
• Antecipa-se sinais e sintomas;
• Se mantém a funcionalidade, entre outros aspectos”.
A nutricionista pontua que o atraso no encaminhamento do paciente prejudica, até mesmo, uma concepção incorreta sobre os cuidados aplicados. “Além de não trazer todos esses benefícios, o encaminhamento tardio pode trazer uma visão equivocada sobre os Cuidados Paliativos que envolve a não indicação ou suspensão, por exemplo, de alimentação artificial”.

Alessandra Rischiteli diz que algo que ajudaria muito no atendimento dos nutricionistas aos pacientes seria o início das atividades nas primeiras etapas da doença, o que não ocorre com frequência. “Acontece muito o encaminhamento tardio, quando o paciente já está com diagnóstico de caquexia. Nesses casos encontramos uma família fragilizada pela alteração da imagem corporal do seu ente querido e por já terem tentado todas as alternativas para fazê-lo recuperar o estado nutricional, muitas vezes sem acolhimento e direcionamentos adequados. É importante a criação de vínculo com a família e o paciente desde o diagnóstico. Por isso se faz necessário o encaminhamento precoce. Isso irá auxiliar no processo de confiança e no melhor direcionamento do cuidado”. Ela também aponta a boa comunicação como uma ferramenta imprescindível para que os cuidados ao paciente estejam alinhados com seu escopo cultural e familiar, respeitando hábitos e costumes. “O nutricionista precisa estar alinhado com a equipe para uniformizar a comunicação, manter a família e pacientes atualizados quanto ao planejamento, estar sempre disponível para sanar dúvidas e alinhar expectativas quanto a terapia utilizada, sempre de forma clara, técnica, com linguagem adequada para cada paciente e família”, diz Alessandra.

NOVOS NUTRICIONISTAS EM CUIDADOS PALIATIVOS

O Brasil, por questões culturais e aspectos que esbarram no abismo socioeconômico do país, ainda carece de equipes multiprofissionais em Cuidados Paliativos em número e qualidade suficientes para atender às mais diversas demandas e necessidades enfrentadas por pacientes e familiares que encaram uma doença que ameaça a vida. Para Alessandra Rischiteli, isso pode estar começando a melhorar, mas ainda levará tempo para se equiparar a um cenário ideal. “Há 15 anos, nós, profissionais de saúde, aprendíamos na universidade o tratamento das doenças e suas prevenções, a fazer o possível para o paciente não morrer, e a paliação não era contemplada nas grades curriculares. Atualmente, vemos que existe interesse de algumas instituições de educação nesse tema, abrindo uma janela de oportunidades para o ensino e difusão dos Cuidados Paliativos. Hoje discute-se muito sobre qualidade de vida, sobre o que de fato importa para nós, e dentro desse contexto podemos discutir sobre ‘o que eu quero para minha vida quando já estiver no final?’”, indaga a especialista.

Tamyris Gonçalves destaca que profissionais que pretendem atuar em Cuidados Paliativos precisam ir além das questões biológicas. “Todo profissional que lide com o cuidado ao paciente precisa estudar Cuidados Paliativos, essa é uma necessidade. Atuar nessa área exigirá a busca contínua por conhecimento científico teórico-prático sobre doenças e sintomas, aspectos espirituais, sociais e psicológicos e algo que não estamos acostumados enquanto profissionais de saúde: o autocuidado. É preciso estar bem para cuidar bem e essa deve ser uma prática contínua. Lidar com suas próprias questões evitará a transferência e garantirá que se respeite as escolhas do outro. Adquirir habilidade sobre estratégias de comunicação, atuar de forma transdisciplinar e com uma visão integral do cuidado trará benefícios ao paciente e ao próprio profissional. É necessário ir além do biológico e exercitar a escuta”, finaliza a coordenadora do comitê de nutrição da ANCP.


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