Boa comunicação é o primeiro passo para mudança na abordagem do final de vida

Lives e Webnars ANCP
calendar
20 de fevereiro de 2017

Boa comunicação é o primeiro passo para mudança na abordagem do final de vida

Por Dr. André Junqueira*

Ao ler o artigo “Morrendo como objeto”, da jornalista Eliane Brum, publicado no dia 23 de janeiro no El País, dois sentimentos chamam a atenção dos leitores: a indignação da autora com o sistema médico-hospitalar brasileiro ao lidar com pessoas em processo de fim de vida e o sofrimento vivenciado por ela e seus entes queridos.

Mas, por que isso acontece e como podemos melhorar? A resposta passa pelo conceito da medicina ocidental moderna, focada na cura como objetivo final e pela ausência de práticas diárias que favoreçam a mudança das rotinas, porém especialmente na comunicação entre os envolvidos nessa relação.

A grande dificuldade é na comunicação que acontece entre a equipe de assistência e o paciente e seus familiares. Quando os familiares perguntam se o paciente irá sobreviver ou têm dúvidas sobre potenciais sequelas, a resposta que geralmente ouvem é “Não podemos afirmar nada com certeza” – mesmo que os médicos saibam que as chances de complicações ou óbito são muito elevadas.

Os médicos evitam ou mesmo se recusam a discutir um prognóstico ruim. Muitos acreditam que a má notícia acaba com a esperança e eles não querem dar a impressão de estarem “entregando os pontos”. Na grande maioria dos casos, sua formação não os preparou para conversas delicadas sobre fim de vida ou tomada de decisão em conjunto com os pacientes e familiares.

A medicina contemporânea prevê que pacientes participem da tomada de decisões. Para que isso aconteça, é preciso que o indivíduo compreenda sua situação, sua expectativa de vida, o conceito de qualidade de vida e os prós e os contras de qualquer tratamento proposto. Quando os pacientes estão incapacitados, essa compreensão cabe às pessoas responsáveis por eles.
Ainda hoje, pessoas em fase final de vida sabem muito pouco sobre sua própria situação, enquanto seus familiares enfrentam confusão e desinformação, em especial se estiverem em unidades com regras rígidas de visita e contato com a equipe, como UTIs.

Vale ressaltar, no entanto, que existe também uma relutância dos próprios pacientes. Pesquisas médicas mostraram que 40% dos pacientes em fase final de vida preferem não conversar sobre seu tempo de vida e evitam assuntos relacionados. Familiares também tendem a interpretar mais corretamente previsões otimistas (“uma chance de 90% de sobreviver”) do que as pessimistas (“uma chance de 5%”).

Compreender o que o futuro reserva pode afetar profundamente não apenas a qualidade de vida dos pacientes, mas também sua morte. Se eles subestimarem a expectativa de vida, podem abrir mão de um tratamento útil. Se a superestimarem – o equívoco mais comum –, aceitam fazer mais exames e procedimentos que transformam suas últimas semanas e meses num sofrimento causado por tratamentos invasivos.

Uma mudança de atitude passa obrigatoriamente por uma mudança na comunicação entre a equipe e o paciente e seus familiares. Ser capaz de transmitir uma má notícia sem potencializar o impacto desse evento na vida do paciente e acolher as emoções dos familiares deveriam ser habilidades fundamentais na formação dos profissionais de saúde, assim como a aptidão para puncionar um acesso venoso ou interpretar uma radiografia de tórax.

Discussões francas não prejudicam a ligação entre médicos e pacientes. Pelo contrário, elas aumentam as chances de o paciente receber o atendimento de fim de vida que prefere e preparam os sobreviventes para lidar melhor com a dor.

Uma conferência entre equipe, paciente e familiares permite uma mudança de atitude, facilitando a expressão do luto e diminuindo o risco de potencialização do trauma vivenciado pelas regras do sistema médico-hospitalar.

Essa realidade ainda não é a rotina no atendimento hospitalar brasileiro de forma geral. Nota-se nos últimos anos, no entanto, um despertar individual de profissionais de saúde, tanto no sistema público quanto no privado, contrários às “normas” do sistema de saúde. Por meio de ações individuais, procuram mudar o foco de um tratamento curativo obstinado para o controle de sintomas, o conforto e a dignidade. A forma de isso acontecer é por meio dos Cuidados Paliativos, tanto como especialidade médica, como visão e valores da equipe de saúde, da pessoa doente e de seus entes queridos.

Dessa maneira, os Cuidados Paliativos procuram modificar a maneira de se cuidar, exatamente pela ampliação desses cuidados. Esperamos que esse processo leve a uma medicina mais ampla, com respeito à biografia das pessoas, sem deixar de abordar seus componentes biológicos.

À Eliane Brum e seus familiares, nossos mais sinceros sentimentos.

*Dr. André Junqueira é Vice-presidente da ANCP


Gostou? Compartilhe!

Fique por dentro

CONFIRA OUTRAS NOTÍCIAS


RECEBA TODAS AS
NOSSAS ATUALIZAÇÕES

Deixe o seu email e receba todas as novidades, notícias, fique por dentro dos benefícios e muito mais!

bg