15 de novembro de 2024
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Coerente ao local onde se encontra, a linha de cuidados paliativos do HC da UFMG visa, além de prover melhor qualidade de vida e de morte a pacientes terminais, gerar e difundir conhecimento.
Depoimento de Fabiano Moraes Pereira, geriatra e paliativista e membro da Linha de Cuidados Paliativos do Hospital das Clínicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)
“São muitos os casos nestes quase 10 anos de atuação em cuidados paliativos. No entanto, um em particular gerou bastante debates na equipe sobre o dilema entre a vontade expressa do paciente de usar todos os recursos disponíveis e nosso conhecimento sobre os limites dos resultados possíveis.
João* foi diagnosticado com pseudomixoma, um tipo raro de câncer que afeta a cavidade abdominal, gerando obstruções intestinais, graves e extremamente desconfortáveis. Aos 39 anos de idade, ele estava casado há apenas três meses e queria muito viver, realizar todos os planos feitos com sua esposa, a vida a dois mal havia se iniciado. Estava disposto a passar por qualquer tratamento por mais remotos que fossem os resultados e sua família não pensava diferente. Ele se submeteu a uma cirurgia no início do tratamento, mas a doença recidivou dois anos depois e ele precisou ser internado por três vezes no intervalo de um ano e meio – época em que nós o acompanhamos – e sua qualidade de vida estava se deteriorando rapidamente.
Sua última internação durou seis meses. No começo deste longo deste período, por diversas vezes tentei iniciar conversas sobre diretrizes antecipadas de vontade e ele era irredutível em dizer que desejava até manobras de ressuscitação, se fosse o caso. Nós, da equipe de CP, sabíamos que nada poderia conter o avanço da doença ou contribuir para que seu organismo voltasse a funcionar corretamente e seu dia a dia se tornaria cada vez mais sofrido e estressante pelos efeitos da doença. Debatíamos exaustivamente qual o limite da autonomia do paciente diante da adoção de tratamentos fúteis e muitas vezes capazes de piorar sua condição, com custos financeiros (para o sistema público), físicos e emocionais (para paciente, familiares e equipe de saúde). Qual é a ética médica neste caso?
A saída foi continuar apostando em tentativas de conversas, e, principalmente, em escutar e acolher as frustrações apontadas por João. Aos poucos, ele foi piorando, até que já não tinha mais independência nem autonomia devido à sua precária condição de saúde. A família foi aceitando sua condição, entendendo que receberia tudo o que realmente precisasse para que seu tempo de vida fosse o melhor possível. Ele declarou, então, que não queria mais submeter-se a meios artificiais para a manutenção da vida. Faleceu aos 42 anos, sua morte foi suave, tranquila e bem suportada por seus familiares mais próximos.
Para mim, foi um exemplo inequívoco da importância de uma comunicação franca, sem deixar de ser cuidadosa, respeitosa e acolhedora. Dar uma notícia ruim não significa perder o relacionamento com o paciente. Foi comigo, o portador das más notícias, com quem eles mais se afeiçoaram”.
*nome fictício
NOME: LINHA DE CUIDADOS PALIATIVOS DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA UFMG (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS)
Em atuação desde 2010
Equipe atual: três geriatras, uma pediatra, uma enfermeira, uma psicóloga (acionada sob demanda), uma acupunturista, farmacêutico e fonoaudiólogo.
Forma de atuação: A equipe realiza atendimento ambulatorial a pacientes do HC, conduzidos para receberem cuidados paliativos, como é o caso de pacientes oncológicos sem possibilidade de cura, por exemplo. E também acompanha os internados que estão nesta mesma condição. “Não há segregação de pacientes, como, por exemplo, uma ala ou conjunto de leitos para CP. Isto porque a ideia é difundir o máximo possível os conceitos de cuidados paliativos para que a equipe assistente os incorpore cada vez mais em sua rotina, nos acionando para fazermos o avançando quando as ações básicas para controle dos sintomas não estão dando o resultado esperado”.
Se no início a equipe de cuidados paliativos precisava realizar uma busca ativa por demanda, atualmente os casos são mais facilmente reconhecidos e levados aos profissionais da linha de CP. “Ficou claro que não substituímos o médico ou o assistente, mas, sim, trabalhamos em conjunto e de forma complementar”.
Iniciativas formativas: São oferecidos treinamentos em cuidados paliativos e na modalidade estágio para residentes. Um dos programas tem duração de um ano, já o outro possibilita o acompanhamento por períodos que variam entre 1 a 3 meses. Em 2016, participaram do estágio 12 residentes de Clínica Médica, 9 de Medicina da família, 4 de Geriatria, 4 de enfermagem, 4 de Clínica de Dor, 1 de psicologia e 4 de farmácia. Desde 2010, passaram pelo programa e um ano três médicos recém-formados. “Nossa meta é oferecer residência em cuidados paliativos a partir de 2018”.
Atendimentos: Atualmente são entre 64 a 70 consultas ambulatoriais por mês, além de 15 consultas de acupuntura e do atendimento a pacientes internados, 8 a 11 visitas por dia.
Perfil dos pacientes: a idade média é de 56 anos, com distribuição mais ou menos semelhante entre homens e mulheres. A grande maioria é de pacientes oncológicos (O HC é uma Unacon – Unidade de Alta Complexidade em Oncologia), porém há casos de pacientes da cardiologia, pneumologia, reumatologia, gastrenterologia, cirurgia de cabeça e pescoço e doenças infecto parasitárias.
Nos últimos 12 meses (entre março de 2016 e fevereiro de 2017), foram acompanhados 250 pacientes internados; destes, 119 receberam alta, 89 faleceram e 42 permanecem hospitalizados e em atendimento. O tempo de internação médio entre aqueles que receberam alta foi de 19 dias (mediana de 11 dias); entre os que faleceram foi de 12 dias (mediana de 9 dias).
Como tudo começou:
As primeiras iniciativas em cuidados paliativos no HC da UFMG que se tem notícia datam da década de 1980, muito direcionadas para o controle da dor. Entre os anos e 2000 e 2009, a instituição vivenciou a experiência de oferecer cuidados paliativos em domicílio, descontinuada, no entanto, pela sobreposição criada pelo lançamento de um programa municipal de atendimento residencial de saúde. A proposta de estruturar um atendimento ambulatorial para os pacientes da oncologia (ou de outras patologias identificados pelas demais equipes) surgiu em março de 2009, capitaneada pelo oncologista Dr. Munir Murad (atualmente coordenador da oncologia). “A motivação principal foi a percepção do Dr. Munir Murad, que estava finalizando sua residência em oncologia, de que o paciente em final de vida, especialmente o oncológico, não era adequadamente assistido. O objetivo era proporcionar uma melhor qualidade de vida e de morte a estes pacientes”. No ano seguinte partia-se para prática, separada, no entanto da especialidade em pediatria, cujos profissionais criaram um grupo especialmente para isso. Esta formatação foi alterada em fevereiro de 2017, com a criação institucionalizada da linha de cuidados paliativo adulto e pediátrica. “Isto nos deu ainda mais visibilidade dentro da instituição e possibilita uma maior troca de experiências, além de permite o compartilhamento da equipe multidisciplinar para todos os casos”
Desafios/metas do serviço:
· Aumentar a oferta de estágio
· Estruturar uma aproximação formal com a equipe de atendimento domiciliar do município visando a discussão dos casos que eles acompanham, para a difusão de conhecimento.
· Ampliar a equipe do ambulatório para abrir o atendimento de cuidados paliativos para a central geral de consultas.
Ampliar a produção científica para compartilhar o conhecimento adquirido a partir da experiência da linha de CP. “Não podemos nos esquecer que estamos dentro da UFMG e que a pesquisa é uma obrigação da universidade; queremos desenvolver artigos que chancelem informações prévias e também fomentar a realização de pesquisa original”
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