A experiência de viver um luto em um contexto diferente do que sempre foi em nossa cultura e da forma como nos foi ensinado a expressar nossas emoções para com os nossos conhecidos, passou por mudanças durante a pandemia. Segundo a psicóloga e professora titular da PUC-SP, Maria Helena Franco, estamos vivendo ao longo da pandemia 5 diferentes lutos, o que ela chama de herança da COVID-19, são eles o luto individual, familiar, privado, público e coletivo.

O luto individual é o pesar de cada um. “Pense em quantas pessoas se viram atingidas por essas perdas, lembrando que pessoas não são números e que números não são biografias. Então é inevitável pensar que as pessoas que morreram tinham seus projetos, sua história e isto foi interrompido e com impacto imenso nas pessoas relacionadas aos que faleceram.”, pontuou a psicóloga. Ela informa que os lutos individuais estão diretamente relacionados também aos familiares. “Famílias foram afetadas, algumas tiveram várias perdas e ficaram poucas pessoas tentando se organizar naquela realidade.” salientou.

Maria Helena esclarece que o luto também se vive privadamente, ficando separado passando pelo processo. E no entanto, também é possível vivê-lo publicamente. “O luto é uma experiência que se vive no privado e no público. No público tem um olhar da sociedade em dizer o tamanho daquele luto, então vemos uma questão complicada que é entender e avaliar as experiências a partir da nossa referência”, explicou.

E temos o luto coletivo que segundo a psicóloga, tem um significado próprio, sendo mais do que uma das partes. Entendido como um fenômeno social, político e emocional, o luto coletivo não equivale ao individual, pois a carga adaptativa é diluída no coletivo, e em uma sociedade ocidental que valoriza a individualidade, a liberdade e as escolhas pessoais, fazer um ritual coletivo dificilmente atenderá às necessidades individuais ou de grupos menores, além do risco de não ser autêntico, fazendo uso dos símbolos próprios da cultura para o luto, e de duração breve, muito diferente dos lutos individual e familiar.

Segundo a especialista, os lutos coletivos podem ser muitos, incluindo desde desastres de grande envergadura, processos migratórios como o de pessoas que deixam sua terra natal, pela morte de líderes e figuras públicas, e também por conta de pandemias. “Quando pensamos neste número absurdo de brasileiros que morreram por conta da COVID-19, temos o sentido de que isso é nosso também.”, destacou. Além disso, existem os rituais e seus significados, que são muito importantes e que precisam ser próprios daquela cultura, com a pessoa que faleceu recebendo as homenagens dos que estão ali, e estes também honrando sua memória.

Porém Maria Helena chama atenção para a forma como a pandemia afetou diretamente esses rituais, fazendo com que as famílias ficassem longe durante o sepultamento, e pessoas que não conheciam o morto, como os funcionários de funerárias e cemitérios, fizessem uma parte do papel dos familiares, como colocando as flores sobre o túmulo, por exemplo. “Tem um significado para os familiares diferente de outras épocas que eles poderiam ficar próximos e fazer os rituais eles mesmos. É necessário que o ritual traga essa experiência, que fizemos o que era esperado que fosse feito para aquela pessoa que faleceu, e ficar em débito nesta hora é muito ruim e as pessoas sentem muito”, ressaltou.

Para mais informações, recomendamos os conteúdos disponíveis no site da ANCP na página COVID-19

Maria Helena Franco é psicóloga com doutorado em Psicologia Clínica pela PUC-SP, tem pós-doutorado pela University of London e University College London e Professora Titular da PUC-SP. E esteve entre os palestrantes nacionais do VIII Congresso Brasileiro de Cuidados Paliativos da ANCP, realizado entre os dias 04 e 07 de novembro de 2020.