Em 1948, quando o Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES) foi construído, em Salvador (BA), ainda não se falava sobre Cuidados Paliativos no Brasil. Em 2016, o HUPES contratou a médica Alini Maria Orathes Ponte Silva, que de forma gradual e organizada, deu início a atuação de Cuidados Paliativos no local. “Diante de demandas educacionais, um grupo de estudo foi criado, e assim foram identificados profissionais com empatia pelo tema e futuros parceiros na atuação assistencial”, conta Alini.

Foto Comissão 2022: (de baixo p cima da esquerda p Direita): Alini, Sheila, Ivana, Lilian, Sheila, Andrea, Camila, Ivellise e Marcele

Com o passar dos anos, a equipe se formatou e cresceu. “Hoje a Comissão de Cuidados Paliativos do HUPES conta com 2 médicas: eu e Sheila Nunes; 2 psicólogas: Sheila Lima e Andréa Orge;1 enfermeira: Lílian Rodrigues; 1 farmacêutica: Ivellise Sousa; 1 assistente social – Ivana Alves; 1 terapeuta ocupacional: Marcele Mattos e 1 fisioterapeuta: Camila Reinbold”, detalha a médica, salientando que a Comissão foi constituída em 2018. “Realizamos ações voltadas para ensino, pesquisa e assistência. Por meio da promoção de cursos e treinamentos, a Comissão busca estabelecer e disseminar a prática dos Cuidados Paliativos”.

Propósitos iguais, ações diferentes

A criação da Comissão foi de extrema importância para a efetiva realização dos atendimentos no HUPES e, hoje, se constituem ações diferenciadas em várias frentes pelos profissionais que a integram. Entre as várias ações implementadas, Alini destaca algumas: “O Grupo Interconsultor, que compõe a Comissão, é responsável pela assistência direta aos pacientes. Uma média de 35 novos pacientes são admitidos a cada mês, e aproximadamente 200 atendimentos são realizados mensalmente pela equipe”, diz a coordenadora.

Curso básico Cuidados Paliativos 2019

Pensando na constante melhora da equipe por meio da educação, também foi criado um Grupo de Estudos em Cuidados Paliativos e Encontros de educação continuada. “O grupo de estudos visa a inserção de novos espaços para a discussão, atualização, aprofundamento teórico e da prática Paliativa. As reuniões eram mensais até o início da pandemia da COVID-19 e, agora, o grupo vem retomando suas atividades gradativamente. Já os Encontros de Educação Continuada, denominados de “Treinamento Básico em CP”, foram realizados com objetivo de sensibilizar os participantes a refletirem sobre o tema, além, claro, de atualizar estes profissionais de saúde que assistem pacientes em Cuidados Paliativos. Capacitamos quase 200 profissionais e o fruto desta experiência continua reverberando na assistência através destes agentes multiplicadores que participaram dos cursos e na busca pelo retorno dos treinamentos que é continuamente solicitado pelos profissionais da instituição”, destacou.

A Comissão de Cuidados Paliativos do HUPES também realiza treinamentos periódicos em parceria com Comissão de Educação Permanente em Enfermagem (CEPE). “O tema Cuidados Paliativos foi inserido no cronograma dos treinamentos em 2019, sendo realizados três cursos por semestre. São abordados o conceito da prática, os princípios, elegibilidade, controle de sintomas, bioética e comunicação. O feedback dos participantes é bastante positivo, o que demonstra a relevância da temática no contexto de uma melhor assistência, com embasamento técnico-científico e mais humanizada”, explica a coordenadora.

Visita Pet Humanizada

As ações formatadas pela Comissão de Cuidados Paliativos do HUPES são abrangentes, e inclui até mesmo a presença de animais de estimação dentro do ambiente do hospital. Segundo Alini, o documento que protocola definitivamente a ação se encontra em fase final de regulamentação. “ A estratégia foi pensada em 2017, a partir do acompanhamento ao paciente GFN, internado por neoplasia de pulmão avançada, com risco de óbito iminente. Durante atendimento psicológico, o paciente verbalizou a saudade e a importância do seu cachorro Bob. Em reunião multidisciplinar foi discutida a viabilidade da liberação da visita do pet, sendo unânime o apoio de todos. A partir daquele momento, uma verdadeira força-tarefa foi iniciada: revisão de literatura sobre o tema, aprovação das Chefias, avaliação do Comitê de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) e Diretoria.

Após todas as autorizações, e organizadas todas as pendências, chegou o dia de agendar com o paciente a data da visita de seu pet. Contudo, o paciente desistiu de receber Bob. Justificou que Bob precisaria se acostumar a viver sem ele. O paciente era muito consciente da gravidade da sua doença e do seu processo de finitude. Aquela mudança de decisão mobilizou toda a equipe que estava com muita expectativa em relação à vinda do pet. Mas acolhemos o paciente na sua nova decisão. Ele faleceu na enfermaria poucos dias depois em companhia da sua esposa”, relembra a médica.

Mesmo com a desistência consciente por parte do paciente em receber seu animal de estimação dentro do ambiente hospitalar, a primeira visita pet só veio acontecer 4 anos depois. “Em 2021, uma paciente da oncohematologia trouxe a demanda de visita do seu pet. A paciente tinha 21 anos e estava internada há três meses devido Leucemia Mieloide Aguda. A pet era uma Yorkshire chamada Amy. Ele relatou que o elemento que mais lhe causava sofrimento na internação hospitalar era o distanciamento de Amy. O documento foi ajustado, e em junho de 2021, ocorreu a primeira visita pet do HUPES. Nas palavras da paciente “Amy para mim representa amor e cuidado. A presença dela me deixou mais animada, esqueci mais minhas dores, me deixou mais feliz”. Ela faleceu em novembro de 2021. Estes pacientes deixam no HUPES o legado da primeira visita pet”, conta Alini.

Chá e Café Paliativo

Café Paliativo 2019

A unidade de oncohematologia do HUPES possui alta prevalência de pacientes elegíveis para cuidados paliativos, o que demanda um conhecimento específico da equipe assistencial para proporcionar uma melhor assistência, bem como, desenvolvimento de estratégias de enfrentamento diante do processo de adoecimento do paciente/família, visto que pode desencadear um sofrimento na própria equipe. “A Comissão de Cuidados Paliativos percebeu a necessidade de realizar reuniões quinzenais com a equipe da oncohematologia. Iniciadas em 2021, denominando tais encontros de “Chá Paliativo”, temáticas diversas relacionadas aos cuidados paliativos foram abordadas. Este momento propiciou discussões a partir das experiências trazidas pelos profissionais, favorecendo também uma integração e maior aproximação entre os mesmos”, explica a médica, que também ressalta encontros chamados de Café Paliativo, que aconteciam em Salvador até o início da pandemia. “Ocorria mensalmente e era aberto ao público, com o intuito de promover encontros com as equipes de Cuidados Paliativos da cidade e fomentar discussões científicas. O HUPES sediou alguns encontros do Café Paliativo. Destaque em 2019 com os palestrantes Luis Saporetti e Suely Scartezini falando sobre ‘Espiritualidade, finitude e autocuidado’ e em 2020, Ricardo Tavares palestrou sobre ‘Cuidados Paliativos e Falências Orgânicas’.

Ainda há o que melhorar

Há muito a se comemorar a respeito do trabalho desenvolvido pela Comissão do HUPES, mas Alini lista desafios e obstáculos a serem superados pelos profissionais da região para oferecer o melhor atendimento possível àqueles que precisam. “A quantidade de recursos humanos é insuficiente para a demanda crescente no hospital, e também há sobrecarga pelo grande número de atendimentos. O fato de não existir uma rede de apoio – não há serviço ambulatorial, leitos de enfermaria ou leitos de retaguarda para pacientes que se encontram em acompanhamento ambulatorial pelas outras especialidades no hospital, ou mesmo hospital de apoio para doentes crônicos ou serviço domiciliar alinhado. Muitos pacientes são do interior e o alinhamento com a equipe assistencial local é difícil”, relata a responsável pela Comissão.